Tuesday, November 07, 2006

FUGA POSSÍVEL

I
RIO DE MIM, CACHOEIRAS E OUTRAS ÁGUAS
Todo mundo debilmente satisfeito na área. Qualquer coisa tá valendo. Se queimando na luz da lua. Ouvindo o concerto da natureza para solos de cachoeiras. Sonoplastia cyber de grilo. Ruídos de cigarra. Cortes de ventos distantes. Acessos de pássaros. Sutil delicadeza arrebatada por surtos de clareza sensorial. Alô meu Rio, peguei o fluxo da corredeira, tô surfando em outras águas. Rio de mim agora. Tô distante, mas não tô por fora. Tô desatando nós, amarradão, aqui no meu lounge de colchão, e vela, e amigos, e fumaça contíííííínua se misturando a neblina. Não adianta insistir. Hoje eu só saio daqui, se fôr pra mais ali. Pode encher tua piscina, só não mexe na minha bacia. Alô Sana. Alô cachoeira. Alô quarta-feira. Eu vou botar a cama lá fora, só grama, e sombras noturnas despertas. Só anoitece bem quem sabe aproveitar o dia.
II
DEIXAR-SE INVADIR
É preciso subir pelas trilhas incertas da madrugada. E sentir o caminho no peito. È preciso saber chegar com respeito. È preciso um sono de séculos, para apagar o lixo e acordar cheio de sol. È preciso atravessar as sete quedas, e saltar do alto do PAI, e deslizar pra dentro da Mãe, a divindade da montanha, na nascente de todos os seres. As árvores também derraman-se em saltos coreográficos através dos tempos. E que venha toda essa água, e toda essa perfeição pra alma do mundo. Enquanto não faltar. Enquanto deserto não há. Não é mole não. Tem que se permitir ousar. Muda essa música meu irmão. Tem que harmonizar. Vou te contratar como barman de acampamento. Aí, posso falar? Veio maninho aí botou um gás, só vai rolar rango abençoado. È tudo um hino, da terra, da beleza. Cadê o refrão? Deu só uma bicadinha,nem provou direito, tá bom pra caralho, tá tudo perfeito. Você ta vendo aquela porta aberta ou fechada? Deixa invadir. È a lei da mata. E o verme? Tá na mente.



III
INEVITÁVEL FLUIR

A trilha da montanha se abriu pra dentro da noite. A lua clareou. O passo acelerou. Acionou a mente pros mistérios de dentro da noite. Só solidão e sons da floresta. Fala comigo. Eu me deixo ouvir e cumpro com as tuas lendas. Compartilho contigo meus anseios de pureza. Tu me põe obstáculos, e eu destemido. Sedento de descobertas e desafios. Aproximar-se do topo. Elevar o espírito. Encontrar-se pleno em estado líquido do corpo massageado pelas corredeiras. Sentir as pedras. Conversar com as águas. Telepatia orgânica da vida. Deixar escorrer toda essa água. Inevitável fluir. Nada impedirá. Nem os avanços daqueles que não escutam a voz da terra. Nem o toque dos parasitas que arrastam-se tentando atravancar os caminhos do fluxo. A correnteza da poesia. Que é pura como a terra. Quando ela consegue ser terra. Enquanto vida fôr. Enquanto sol em flor. E tanto céu de pássaros a festejar voar. Outros a construir seus ninhos. Trabalho minucioso e preciso.




IV
DA ARTE DE SENTIR AS PEDRAS


E nós em nossa cabana aos pés da cachoeira. Reggae contínuo rolando, para satisfazer a todos os ânimos, a todos os seres. Humanos. Extrahumanos. Suprahumanos. Tantos seres invisíveis a nossa volta. É preciso romper as correntes do sonho. É preciso fazer o circuito do parque aquático rasta. Escalar as pedras. Deslizar das pedras. Abraçar, adormecer, despertar, explorar. É preciso simplesmente ser. Deixar a chuva molhar. Vem pra abençoar. Abrir os póros dos pastos em que a mente vagueia e quer descansar. E deitar. E atravessar para os lados ocultos. Abrir as pétalas ao calor. Sentir o peso da gota na folha. Esticar os braços de galhos contínuamente. A responsabilidade de estar inteiro nessa vida. E manter-se. Frutificar-se. Esticar tuas raízes pra lá destes bosques. Expandir-se além dos ossos. A alma é que respira a terra. As impurezas do plano físico não sobrevivem quando a natureza se acende. Nada sobrevive. Tudo simplesmente é.


V
RESVALECENDO ESSÊNCIAS


Santificada seja nossa ousadia de subir montanhas, e buscar outros ares que enalteçam essa nossa existência. Santificado ar. Santificada Taba Pindorama. Santificada clareza, nem que seja numa fagulha de lampejo. Iluminador que seja. As vezes os seres pensam que já viveram tudo. E tudo já se sabe. E tudo se escreveu. E não percebem que sempre há o que se descobrir. Ou re-descobrir. O que estava camuflado no véu da insanidade, o que estava incrustrado nas distâncioas opostas. E formou-se a fila dos infelizes. Mas eu estava longe de lá. Lavando. Escarrando. Escorrendo. Desputrificando. Transparecendo. Descascando. Resvalecendo essências. Odores. Formas. Cores. Orquestra harmoniosa dos sentidos. Sentir. Sentindo. Sem medo. Revelar-se sana-mente. São Salvador de si mesmo. Transgredir o óbvio. Transformar o instante. Na distância necessária a fuga precisa. Ver-se de longe e tão perto do alvo alma. Silêncio. Já não existe pressa de nada. A natureza não tem cartas marcadas.

VI
EXPLORAR OS SALTOS

Os sapos se inflam. Os pássaros dançam. A escuridão fala. A noite canta no ouvido da terra. A cidade é um passado de pesadêlos e castelos construídos sobre os sonhos demolidos. Eu escapo pela porta da saída. Atravesso as colinas. Desarrumo os emaranhados do tempo inerte. Espalho a rotina pelas trilhas incertas. Sigo até os picos. Enquanto a chuva vai lavrando a terra. Escorrendo toda a lama. Desconstruir o corpo. Animal de quatro patas. Explorar os saltos. Ir cada vez mais longe. Deixar o doce fluir dos saltos ao longe. Explorar o doce. Deixar o longe fluir. Sentir o salto. Distanciar-se destas questões de distâncias. Comple-xi-dades cravadas na pele. E coisas de instantes em que nada importa. Esses os que buscamos. Corrente da satisfação. Metodologia do prazer. Vento na inspiração. Se uma hora a cabeça pesar de coisas carregadas. Deixar ela rolar e se encaixar pelas pedras. Esse mundo tá cheio de pedras e coisas carregadas. O melhor é não sentir peso algum.




VII

PLU.PLU.PLU.PLU.PLU

È preciso amanhecer leve e acreditar no mormaço. Deixar a solidão guiar teu passo. É preciso fazer por merecer o sabor do salto para o outro lado. Armado de conspirações de levezas, e purezas, e agradecimentos. Eis que surge. Plu.Plu.Plu.Plu.Plu.
Brota diante dos olhos as mínimas infinitudes e absurdas delicadezas. Tudo em volta respirando. O verde brilhando de alegria. O mormaço. Santificado mormaço. Tá tudo aceso. Deixar o ser sentir seu próprio eu um pouco. Deixar as coisas ganharem sentidos amplos de acasos. Tocar a terra por dentro, e deixar ela te beijar o estômago. Adimirar as vacas. Santificadas vacas, com suas sábias pastagens indiferentes ao milagre. Sentir a luz na ponta dos dedos colorindo o invisível. Ser pedra. No simples ato de tocar qualquer coisa. Ser qualquer coisa. Descobrir todas as belezas secretas de todas as coisas. Abrir os braços, e envolver a imensa microcósmica presença de si mesmo no mundo. A roda está viva. As raízes prolongam-se infinitamente. As cicatrizes nos contam histórias. Raízes e cicatrizes. Restos de montanha em nossos passos. Deixaremos rastros de clarezas. Por dentro. Fluxo contínuo de verdades na veia. Enquanto houver cahoeira, e vaca no mundo, vale a pena acreditar que existe uma saída.



G.Q,
Sana. 04.11.2006













No comments: