Thursday, May 13, 2010

De outonos OU das coisas suspendidas
Era uma vez um menino que usava um rubro capuz cor de maçã bem madura. Ele tinha uma boca de cujos dentes rebrilhavam ainda repastos de seu lanche frugal: restos de lobos, de vovozinhas friorentas, de caçadores viris com espingardas na mão, de netinhas desdenhadoras de atalhos. Tudo cabia em sua barriga-coração: seu leite, seu pão.
As folhas atiravam-se das árvores como fazem quando querer não mais ser, e forravam um colchão onde se deitar, deitado - o menino - mais se aprumava ereto, com seu gorro de vermelho vermelho, pra fazer sua digestão. Dele evaporavam girassóis, calêndulas, violinos, sementes bonitas, folhas amarelas recortadas com delicadeza. Ele todo outonava, espreitando o céu em cima, o chão em baixo. Sobre o colchão de folhas ele - suspenso - maquinava com um gesto de pássaro - suas próximas aparições, suas próximas manhãs, seus próximos desenhos e banquetes. E de sua boca e dentes a palavra "outono", em silêncio, escapava.

Raimundo Cassiano Ferraz