Tuesday, October 24, 2006

ACIDENTE NA AV. ATLÂNTICA


Foi um êxito.
Parou o fluxo errante dos noturnos, naquela madrugada de 35graus. Quem vinha do Arpoador viu, quem estava na praia, no calçadão, nas janelas dos prédios, e quem desceu do 175 feito eu também viu. As putas se aglomeravam para entreter a massa que se formava, e para ingerir ao caos um pouco do cheiro de bucetas famintas. Bombeiros e polícia trouxeram suas sirenes e luzes colorindo a cena, mendigo pedindo trocados por qualquer detalhe realista , traficante com a oferta da noite, habitantes das areias, do asfalto, toda espécie de ratos de rua que não resistem a um cheirinho de sangue , fizeram a roda por ali.

Entre os mendigos, os cheira-colas, e os pedestres recém chegados, a pergunta era a mesma:
_Morreu alguém?
E eram os que estavam na hora exata e presenciaram a pirotecnia aumotobilística destilada que forneciam os relatos detalhados e distintos.
Versão n.1
_Eles saíram brigando da Help, ela batia nele com a bolsa, ele puxava ela pelos cabelos, empurrou ela pra dentro do carro, quando arrancou ainda estavam se esbofetiando, só andou um quarteirão subiu o meio-fio e se acabou no poste.
Versão n.2
_Dobrou a esquina na toda por cima do calçadão, quase atropelou um travesti, tava tocando um funk pancadão no talo, passou direto pro poste.
Versão n.3
_Eles tavam trepando com certeza, deu pra ver ela cavalgando ele,os peitão balancando, os bracos pra fora da janela, jogou uma latinha de cerveja que acertou a cabeça dum moleque, voou pela para-brisa a louca.
Versão n.4
_Vinha a mais de mil com três camburão atrás atirando, foi pânico mermo rapa, tocou o terror, pivete aí da rua tomou balasso, capotô umas quatro vez até se estrupiá no poste, se fudero todo, os dois.
Nessa versão, nem os malucos da rua que adoram confusão, nem o reporterzinho sensacionalista do jornal Extra que acabara da chegar deram muita atenção.
O fato é que nem sua mãe a reconheceria toda arrebentada naquela foto da página policial do dia seguinte, o vestido branco de quem vinha de uma festa, todo manchado de sangue, feio mesmo, mas ficou boa a foto, rolou até bate boca na redação pra ver se rolava primeira página, mas depois de pesquisarem a vida da garota, o mais importante que encontraram no seu curriculum foi umas figurações de novela, um comercial de cerveja, e alguns desfiles como rainha de bateria numa escola de samba do terceiro grupo, agora era residente do Barbarela. O rapaz roubou o carro do pai, não tinha carteira de motorista, e ainda confirmou como mais provavelmente verdadeira a versão n.3 do acidente, porque ainda pagou o mico de morrer com o pau pra fora.
O show todo aconteceu rapidamente, e com detalhes de entretenimento requintados para os carníceiros de plantão, e da mesma forma rápida os astros principais foram retirados de cena, deixando o cenário bem mais animado do que antes, uns ambulantes apareceram, o carinha do kioske aumentou o som, várias novas versões dramáticas surgiram, a noite seguiu quente, e depois de tão rocambolesco acontecimento, ninguém deu a mínima aos cinco pivetes que espancavam um outro ali mais adiante, nem a briga de faca das duas putas na outra esquina chamou a atenção, coisa pouca, o povo quer é ver o oco.


G.Q.

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