Tuesday, August 05, 2008

GO BACK CABOCLO
O PRIMEIRO POEMA DE VOLTA PRA CASA
o cheiro de casa
cruza a distância
sobre um céu de breu
que adentra as narinas
sufocando de lembranças
o semblante adormecido
do menino que já não há
o que foi, enterrei no quintal
e fui pra bem longe montado num camaleão
por muito tempo
senti o odor dos cajus apodrecidos
impregnado em meus dedos
como feridas a me corroer os ossos
e não entendia porque tudo era tão estranho
ou se o estranho era eu
até conseguir entender e aceitar
que o perfume do passado
é necessário pra vida
é tatuagem na alma
é cafuné de cachoeira
é grito que explode no salto do alto do barranco
pra dentro do rio
fluxo da correnteza
que me traz de volta
na certeza
de que é nessa horta
que se prolongam minhas raízes

a lua do céu de minha infância
é tão grande
que dá medo lembrar
e os fantasmas no escuro da casa na árvore
os gritos de meu pai
o tiro no meu cachorro doente
que não vi
mas ecoou durante anos
corri na direção oposta
seguindo as trilhas dos tamanduás e dos cavalos selvagens
saí espalhando livros e discos e filmes pelo caminho
sumi por dentro de mim
e só voltava se fosse pro colo de minha mãe
pra onde vou agora
pra companhia daquele eterno amigo
o mais lindo de todos
que nunca foi meu como eu quis
mas que talvez por isso mesmo
existe até hoje
ainda na minha rua
e a mesma cumplicidade de bichos indomados
apesar de toda a diferença
não engoli os sapos amigo
demos choque neles
jogamos pedras nos telhados
arranhamos os carros
roubamos as revistas
tocamos todas as companhias
e eu assisti de camarote você espancando os fracotes
e comendo todas as menininhas
mas fui eu que ensinei as sacanagens
pra todos os amiguinhos da vizinhança
menos pra você
que já sabia tudo e escolheu seu próprio caminho

deslizamos juntos pela madrugada
cheios de fúria e curiosidade descontrolada
destilamos poemas
ao som de The Doors
e abrimos as portas da percepção
descobrindo todos os segredos da escuridão
e a revolta tornou-se guia
o ódio a tudo nos fez companhia
e eu voei pra bem longe montado nas asas de um urubu
e vi que o mundo cheira a podre em qualquer lugar
tudo está impregnado de lixo
os rios de lá estão muito mais sujos
a coisa lá ta preta
e aqui tudo é verde
tudo é mato
a lama daqui
é de frutas no quintal
de longe se vê melhor
o que já não há
mas que ficou
vivido e marcado
e que jamais será esquecido
o bom filho a casa retorna
no chão de minha terra minhas feridas vou curar
o uivo do caboclopunk vai voltar a ecoar.


G.Q...Boa Vista / Roraima...julho...2008

2 comments:

Mariana Junqueira said...

Que foto maravilhosaaaaaaa dessa paisagem...amei! :)

Mariana Junqueira said...

o seu post...... "o cheiro de casa"...... ameiiii tb. Sensacional Gean, parabéns! Bjs