Tuesday, June 17, 2008

POR ONDE ANDARÁ O GAROTO
COM O SORRISO DO GATO DE ALICE
TATUADO NAS COSTAS?
Seguindo com meus passos e pensamentos molhados pela madrugada, me conecto com o imprevisível que me espera a qualquer instante. Eu pergunto as horas, não por escravidão ou pressa qualquer, mas por localização no presente ausente. Ele diz que é dez reais. Eu penso em me aborrecer, mas esboço um sorriso e digo, tá caro. Ele também ri, são meia-noite e meia. Eu agradeço. Ameaçamos seguir, nos olhamos. Ele me pergunta onde eu vou. Eu digo que tô de bobeira. Ele me convida pra beber uma cerveja. Já é. Descemos a rua Augusta, cientes de nossa ousadia inusitada, tentando nos arranjar motivos ou desculpas. Desnecessário. A conexão já estava feita, e percebemos nossas razões refletidas em nossas vibrações no tempo-espaço de nossos caminhos absolutamente fluídos e espontâneos. Era sexta-feia, dia 20, de novo o tempo, mas trata-se de uma cronologia importante para o desenrolar dos fatos. Ele fez aniversário ontem, eu fiz ante-ontem. Ele trepou com um ex sem graça num pulgueiro qualquer. Eu tentei esquecer a data, enchi a cara de vinho em completa solidão, e escrevi um texto deprê para tentar sensibilizar os amigos distantes, mandei por e-mail, e recebi umas duas respostas de apoio, nada que pudesse evitar um suicídio eminente. Pronto, vamos comemorar hoje a nossa existência, entregues ao completo desconhecido. O desconhecido humano. O desconhecido tempo. O desconhecido mágico, o desconhecido espaço, o desconhecido papo vivo caótico, entre nós, os escolhidos do acaso, no breve momento que precede o vazio. Tudo novo, tudo presente, tudo imprevisível. Estávamos absolutamente abertos, para ouvir e falar, e fizemos isso sem parar. O gato de Alice sorria nas suas costas. Minha guitarra soltava labaredas que refletiam no seu olhar curioso. Ele adora guitarras. Eu vejo sorrisos de gatos invisíveis à três décadas. Ele tem duas e meia e parece um cartoon, com uma risada que lhe contorce a face e se espalha pelo corpo inteiro, cheinho, preenche as roupas com fartura, e envolve todo o espaço com gestos redondos. Eu, algo entre os desenhos de Angeli, e a animação computadorizada de Toy Story, alto, esguio, chapéu na cabeça, um midnight cowboy, ou drugstore, algo entre os anos 70 e o novo milênio, meu tempo corre. Ele só quer saber do presente. Eu concordo. Nada além da contemporaneidade de nossos passos, poderia ter nos colocado ali, sentados naquela sacada de bar, com vista para encruzilhada cheia de seres desconhecidos. Nós dois vínhamos de relacionamentos difíceis. Desabafos. Ele me sai com essa “…na vida tem coisas que se quebram, que não voltam mais…”, é incrível como o óbvio dito na hora certa, causa um impacto dentro da gente. Análises mútuas. Silêncios de cumplicidade. Olhares cortantes. Confortantes. Pronto, já somo amigos de séculos. Tem um beck aí? Tinha. Vamos descolar uns tecos? Vamos. Não pagamos as cervejas, e seguimos leves, seguros, sem culpa nenhuma, caminhado entre os seres noturnos de São Paulo. Que delícia essa chuvinha. Garoa, ele me corrige. Ok. Duas de dez no bolso. Adentramos vips no Vegas, onde eu havia feito amizade noites passadas. Eletro Rolando. Fumamos, do dele, e do haxixe que o carinha animado com as duas gatas acendeu do nosso lado pra botar banca, botou. Elas bebiam champagne, bebemos. Chapados e felizes dançamos, entregues a balada. Dividimos o banheiro, coisa de narizes. Ele fez xixi. Eu fiquei de costas, mas virei a tempo de ver ele sacudindo. Frenéticos. Cheios de acaso. Deitamos no sofá vermelho. Próximos. Íntimos de tantos minutos. Por instantes nenhuma palavra, toque, lingua, beijo, longo beijo. Mais confissões. Nosso enlouquecido desejo de ser compreendido. Pelo outro? Por nós mesmos? Falar por falar. Ouvir por ouvir. Tudo tão fútil e indispensável. Voltamos pra rua, estamos extasiados. Como somos bem sucedidos e afortunados. Estamos absolutamente certos na nossa confusão. Tantos questionamentos. Eu saio com essa “… é preciso semear as perguntas para que as respostas brotem naturalmente…”. Ele puxa um papel e uma caneta e anota. Não me parece justo, tanta coisa foi dita. Me sobraram essas lembranças vagas, porém precisas no meu alvo atingido. Nossos seres absorvidos pela mágica da madrugada. Venenosa? Inofensiva? Não interessa. Fomos arrebatados pelo inesperado. O desconhecido em cada gesto. Tão próximos, tão dentro estivemos. Nos despedimos num longo abraço. Talvez nunca mais nos veremos. Deixamos pouquísimas pistas, não buscaremos. Deixaremos para o acaso. Somos filhos do nosso tempo. Enquanto estivermos vivos, talvez nos encontremos numa hora qualquer. No momento exato. Senão, tudo seria diferente.

g.q.


2 comments:

Beatriz Provasi said...

ei gean, adorei o texto! esse que vc mandou pra revista, né?! tomara que publiquem... muito, muito bom! bjs!

Franco said...

Dá-lhe, Gean. Será que São Paulo é o país das maravilhas? E a Rua Augusta é o Estado de felicidade? Pena não termos curtido umas da vez que vocÊ veio pra cá, na próxima rola, certeza...abraços...
Franco.